A trágica Proposta de Emenda Constitucional, que reforça interesses políticos contrários aos preceitos constitucionais e republicanos.
Desde sua concepção, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 32/2020), apresentada pelo governo federal e denominada “Reforma Administrativa”, tem sido tratada como a grande responsável por uma verdadeira revolução na forma como o Estado pode enxugar suas despesas e melhorar o serviço público oferecido à população. Entretanto, não ouve-se dizer que a referida, verdadeiramente, nada mais é do que uma proposta que escolhe como alvo e ataca o servidor público, enfraquecendo a sua relação de trabalho e comprometendo a qualidade do serviço prestado, principalmente aos mais pobres.
Ao longo dos anos, foi criada e enraizada no imaginário popular, até mesmo por aspectos históricos, a ideia de protecionismo e benevolência para com os Servidores Públicos, o que parece motivar a Proposta em questão. Certo é que desde a sua idealização pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o propósito da PEC 32 segue as orientações ultraliberais de Estado mínimo, e tornar o serviço público algo lucrativo, tirando seu princípio basilar qual seja a prestação e promoção do Bem Estar Social. Para isso, se usa, mais uma vez, da desconfiança construída em torno da figura do servidor público e da quimera de infindáveis privilégios gozados por estes. Ideias essas defendidas, quando, por exemplo, o ministro bodeja que servidores se igualam a parasitas, dando azo para que se promova um ataque à figura do Servidor Público e a direitos e garantias dessa classe de trabalhadores.
O ministro da Economia Paulo Guedes classificou a proposta de reforma como sendo “bastante moderada”, sendo que tal afirmação é por si só um verdadeiro escárnio, uma vez que tal mordaz proposta é demasiadamente radical, modificando completamente a atual concepção de Estado.
A reforma englobaria todos os entes da federação sendo que, entre as suas mudanças, o fim do concurso público; o fim do regime jurídico único; acaba com a estabilidade de emprego, flexibilização de contratos de serviços com o setor privado e aumentaria o poder do Executivo para alterar o quadro de cargos públicos do ente, sem precisar de aval do Poder Legislativo competente.
Caso prospere o proposto pelo Governo Federal, o Estado brasileiro e sua administração, irá transformar-se num “órgão subsidiário” à iniciativa privada. A proposta de reforma busca vedar ou restringir a participação pública na prestação de serviços sociais, como saúde e educação. Serviços essenciais à vida e à dignidade da pessoa humana. A Proposta do Governo federal busca reduzir o Estado a menos que o Estado mínimo.
Notoriamente, inverte-se os preceitos da Carta Magna de 1988, em que cabe ao Estado garantir os direitos sociais, tendo a iniciativa privada um papel meramente complementar. O intento do Governo Federal com essa proposta é justamente o inverso, colocando a iniciativa privada como responsável pelos serviços, cabendo ao Estado um papel complementar.
Importante salientar que, a Constituição já admite nomeações em cargos de livre provimento para as funções de assessoramento, chefia e direção, atendendo ao direito dos chefes dos Três Poderes de contratarem pessoas de sua confiança. No entanto, como exposto, a proposta visa transformar a exceção em regra, sugerindo que a maioria dos cargos passe a ser de livre provimento, causando verdadeira ameaça para alguns dos princípios basilares da Administração Pública como a isonomia, a imparcialidade, a eficiência e a moralidade.
Adentremos aos 5 principais pontos absurdos da Proposta (PEC 32/2020).
Reforma Administrativa e Fim da Estabilidade
O principal risco embutido é o fim da estabilidade do servidor público. Impede até mesmo que a estabilidade apareça como cláusula nas negociações coletivas dos trabalhadores do setor público. Além disso, a proposta introduz contratos temporários para o funcionalismo público.
O governo alega que a estabilidade deixará de existir apenas para alguns cargos, sendo estes os cargos não típicos de Estado sem, no entanto, definir quais. Argumenta-se que haveria uma flexibilidade maior em relação à estabilidade do servidor entretanto, tal flexibilidade já existe desde a Emenda Constitucional 19/1998, quando foram implantados mecanismos para tornar a estabilidade menos rígida, cabendo aos superiores hierárquicos proceder às avaliações regulares, tendo como critério a eficiência. Desde então, é possível a demissão por desempenho insuficiente, observado o devido processo administrativo que, na presente proposta de reforma e ante o fim da estabilidade, poderá deixar de existir ou perder força.
A estabilidade não é um escudo do servidor para acobertar possível desempenho insatisfatório e/ou acobertar condutas desidiosas. A implementação da estabilidade dos servidores públicos se deu observando-se como um dos fatores a constatação de que, cada vez que mudava o governante, trocava-se todo o corpo técnico, com prejuízo para a qualidade dos serviços prestados, o que é errado e prejudica toda população sendo imperioso destacar que o servidor tem de ser estável justamente porque os governos são transitórios. Para finalizar a questão, mister se faz a difusão da ideia de que é justamente o concurso público e a estabilidade que blindam o servidor de qualquer influência política.
O Vínculo de Experiência – Servidor Trainee
A PEC faz uma nova classificação dos agentes públicos. O que se tem hoje como categoria dos servidores públicos será subdividida em cargos com vínculo por prazo indeterminado e cargos típicos de Estado. Para ambos os casos, uma lei deverá dispor sobre as novas formas de investidura.
Parte da Proposta do Governo cria o instituto do vínculo de experiência, sendo que o concurso passaria a possuir as seguintes etapas:
1ª – Provas ou provas e títulos
2ª – Cumprimento de período mínimo de vínculo de experiência com desempenho satisfatório:
– um anos para cargo com vínculo por prazo indeterminado;
– dois anos para cargos típicos de Estado.
3ª – Classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência.
Devemos nos atentar ao exposto adiante. Esse período de experiência ainda será uma etapa do concurso! O candidato aprovado nas provas não será investido no cargo antes de ser avaliado na experiência. Ou seja, ele será designado a título precário para exercer as atribuições do cargo, mas sem haver investidura.
Por mais que a Proposta reserve à lei dispor sobre a gestão de desempenho e sobre as condições de perda do cargo durante o período de experiência, sendo ainda que proíbe o desligamento de servidores por motivação político-partidária, ninguém olvida-se em dizer ser inegável que os novos servidores ficarão fragilizados, e até mesmo receosos de exercerem suas funções, caso seus atos confrontem eventual interesse do gestor público.
Não bastasse todo o descrédito e humilhação conferidos por esse tipo de “procedimento” previsto, ainda foi implementada uma “classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência.” O que isso quer dizer? Vai haver um número de vagas para entrar para a experiência e um número de vagas para tomar posse e ser investido no cargo ao final da avaliação? Trata-se de um verdadeiro absurdo, descrédito e ofensa à integridade e à vida do servidor.
Fica mais uma vez evidente o fim escuso, de dar moldes de iniciativa privada à Administração Pública, além de criar um ambiente de trabalho horripilante e hostil dentro do serviço público, serviço esse, que não se presta para obtenção de lucros, mas sim para promoção da dignidade da população brasileira.
Flexibilização e Livre Nomeação de Cargos de liderança e Assessoramento
O Projeto propõe a flexibilização de contratos de serviços com o setor privado e aumenta o poder do Executivo para alterar o quadro de cargos públicos do Estado, sem precisar de aval do Congresso.
Caso aprovada a proposta, as medidas vão gerar o caos no funcionalismo público, com a intensificação da contratação de funcionários apadrinhados, precarização das formas de contratação de trabalhadores, tornando-os vulneráveis a assédio moral e fragilização diante dos cargos de chefia.
Consequentemente, as mudanças vão afetar áreas como a educação, o Sistema Único de Saúde (SUS), o INSS, os bancos públicos, entre outras, que são as que a população carente mais utiliza, dependendo disso para ter acesso aos serviços essenciais durante sua vida.
Frisa-se ainda que a livre nomeação nada mais faz do que diminuir e retirar qualidade do serviço prestado à sociedade, uma vez que os ocupantes dos cargos não são avaliados, bem como não é avaliada sua aptidão para a execução das funções atribuídas.
Da Modificação de Despesa
A reforma visa ainda, modificar os atuais limites para despesa com pessoal, contrariando a Lei Camata (nº 82/1995). Sendo desnecessário legislar sobre dispositivo já existente e que, se é desrespeitado, não é em função dos salários dos concursados, mas sim dos cargos de livre provimento de pessoas contratadas em cada nova administração.
Outra alteração grave da proposta é a mudança da jornada dos servidores, com redução de sua remuneração quando a autoridade constatar desequilíbrio das contas, o que é ultrajante uma vez que retira toda segurança do servidor público para planejamento financeiro, fazendo com que mais uma vez, em caso de mau emprego das verbas, despesas voluptuárias dos governos ou de qualquer forma ocorrerem gastos excessivos, o que ocorre com frequência, o servidor pagará a conta.
Dos Supostos Privilégios
Os defensores da proposta, balbuciando seu discurso e confundindo à população, utilizam como pretexto o argumento de que os servidores públicos têm muitos “privilégios”. Vejamos a afirmação do Ministro Guedes na Comissão de Constituição e Justiça
“Veja um servidor na Noruega, na Suécia. Ele anda de metrô, às vezes de bicicleta. Ele não tem 20 automóveis, mais 50 servidores, mais 30 assessores”,
No entanto, não estão incluídas na reforma as carreiras de estado que recebem os maiores salários e benefícios.
Quem vai perder estabilidade e sofrer com os efeitos decorrentes da Reforma Administrativa não são os Juízes, Membros do Ministério Público ou parlamentares. Quem vai perder são os professores, enfermeiros, médicos e assistentes sociais, entre outros profissionais que atuam em atividades importantes para a sociedade, principalmente para a parcela de menor renda.
O exposto é mais do que suficiente para dizermos que o governo caminha na contramão do anseio popular. Afinal, os brasileiros, neste momento de tamanha dificuldade em que vicemos, nunca precisaram tanto do Estado, ou seja, dos servidores que lhes atendem diretamente. Por isso, devemos nos posicionar contrário ao Projeto de Emenda à Constituição esperando que os membros do Congresso Nacional impeçam a aprovação de um proposta com foco errado, justificada equivocadamente na correção de um rombo fiscal de responsabilidade única e exclusiva dos gestores do dinheiro público.