Honorários advocatícios por equidade e o judiciário “fazendeiro”

No dia 08 de agosto de 2023, O Supremo Tribunal Federal formou maioria, para reconhecer a existência de questão constitucional e repercussão geral na controvérsia sobre o uso do método da equidade para fixação de honorários de sucumbência quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem muito altos e que tenham como parte a Fazenda Pública.

A discussão diz respeito a decisão do Superior Tribunal de Justiça[1] que, no último ano, proibiu a fixação dos honorários por apreciação equitativa em causas de valor muito alto. Nesses casos, a Corte Especial estabeleceu que devem ser seguidos os percentuais previstos no Código de Processo Civil.

Dessa decisão foi interposto Recurso Extraordinário pela Fazenda Nacional para “definição do alcance da norma inserta no §8º do artigo 85 do CPC nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados”. Segundo a Fazenda Nacional, a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda, com base em valores previamente estabelecidos, “pode gerar uma distorção na remuneração dos causídicos seja para mais, seja para menos, em detrimento da coletividade que, ao final, arcará com tais valores“.

Após o julgamento do STJ, foi sancionada a Lei 14.365/2022. A norma estabeleceu que, quando o valor da causa for líquido ou liquidável, é proibida a fixação dos honorários por equidade. Já nas causas com proveito econômico muito baixo, pode haver fixação equitativa, desde que o juiz siga os valores recomendados pela seccional da OAB ou o limite mínimo de 10%.

AUSÊNCIA DE PRESQUESTIONAMENTO

Ora, o que não faltava eram motivos para que o Recurso Extraordinário da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não fosse admitido, sendo que o primeiro deles é a ausência de prequestionamento dos dispositivos constitucionais apontados como violados, tudo isso tendo em vista que inexiste matéria constitucional a ser enfrentada.

Tanto é assim, que no recurso extraordinário interposto pela Fazenda Nacional, não se aponta com clareza a violação ao dispositivo da Constituição Federal, o que se faz é uma alegação genérica de afronta a princípios constitucionais, buscando rever a interpretação de legislação Federal já consolidada pelo STJ.

Assim sendo, restou plenamente evidenciada, a ausência de prequestionamento dos dispositivos constitucionais apontados como violados, perante o Superior Tribunal de Justiça.

DA DISCUSSÃO DE NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL

Um dos principais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário é a existência/demonstração de violação direta à norma constitucional, devendo ser inadmitido o referido recurso nas hipóteses em que a suposta violação é meramente reflexa (indireta ou oblíqua), tal como ocorre no caso em debate.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é uníssona ao reconhecer que legislação infraconstitucional, inclusive aquela afeta ao Código de Processo Civil, enquadra-se em competência do Superior Tribunal de Justiça, conforme exposto a seguir:

Não obstante todas essas premissas, verifico que a controvérsia no caso sob exame limita-se à suposta má aplicação da legislação infraconstitucional, sobretudo do Código de Processo Civil. (…) Verifico, ainda, que o mesmo raciocínio acima apresentado se aplica às questões em que se invocam violações aos princípios do contraditório, e do devido processo legal, bem como aos limites da coisa julgada. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a suposta afronta a tais postulados, se dependente de prévia violação de normas infraconstitucionais, configura ofensa meramente reflexa ao texto constitucional” (Acórdão no ARE nº 748371-RG/MT, Min. Rel. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno. Julgado em 06.06.2013, Leading case do Tema 660 – grifo nosso).

Assim sendo, não há, portanto, alegação de violação direta à Constituição, pois não se alega violação à Constituição aferível sem a necessidade de interpretação de outro ou outros dispositivos infraconstitucionais.

Restou evidente, a tentativa frustrada da Fazenda Nacional de procurar justificativa, em uma alegação de violação à Constituição, sendo que, simplesmente buscou rediscutir em Tribunal incompetente o que já foi decidido por Tribunal competente.

DA VIOLAÇÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Neste ponto, deixamos de lado os aspectos processuais e concentremos na critica que deve ser feita sobre a latente violação entre a separação dos poderes que estaríamos a presenciar, caso o julgamento do Recurso tenha resultado favorável à Fazenda. Isto pois tornou-se cotidiano da nossa Suprema Corte, fazendo uso de função atípica sua, legislar sobre os mais variados assuntos, o que até certo ponto entendemos, baseando-se na necessidade que o judiciário tem de, muitas vezes, dar resposta para a sociedade que o Poder Legislativo não foi capaz de dar ou de se manter atualizado com a realidade vigente.

Entretanto, é de se questionar qual seria o interesse do Poder Judiciário em “legislar” sobre temas recentemente legislados, como é o caso da Lei 14.365/2022 que versa sobre a proibição de fixação dos honorários por equidade, excetuando-se nas causas com proveito econômico muito baixo, o que está longe de ser o case debatido no Supremo Tribunal Federal. Pensemos, se o legislador no ano passado legislou sobre a matéria sem criar distinção alguma para casos de altos valores que envolvam a Fazenda Pública, qual é a necessidade que o Poder Judiciário possui de regulamentar tal questão? A resposta é clara, não há nenhuma, pelo contrário, onde o legislador ponderou e decidiu, não cabe ao judiciário reponderar.

Trata-se de uma verdadeira afronta à separação dos poderes, que só pode ser justificada pelo fato de haver uma cada vez maior intervenção do poder executivo dentro do poder judiciário, a fim de tornar os rumos ditados por este menos onerosos àquele, o que acaba por, cada vez mais, criar um “judiciário fazendeiro”, conforme advertia Ruy Barbosa em Oração aos Moços[2], ao dizer “Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de “juízes fazendeiros”.

CONCLUSÃO

Aos jurisdicionados, cabe apenas a espera, espera para ver se a decisão a ser tomada pela nossa Suprema Corte também será suprema como ela, suprema e soberana, inclusive em relação ao já legislado pelo Poder Legislativo, certos de que, caso o Supremo Tribunal Federal decida pela fixação dos honorários advocatícios por equidade, em casos envolvendo a Fazenda Pública, estaremos diante de mais um golpe do judiciário “fazendeiro”.


[1]https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201906618

[2] BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/aosmocos.html . Acesso em: 22 set. 2023.