Os efeitos da “pejotização” na Administração Pública e o Tema 1.389 do STF

O Supremo Tribunal Federal, recentemente, no Tema de Repercussão Geral nº 1.389 (ARE 1.532.603), suspendeu nacionalmente todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, a chamada “pejotização”.

Em um primeiro plano abre-se um grande debate sobre possíveis impactos trabalhistas e previdenciários, entretanto é hora de os agentes públicos e todos os envolvidos na discussão compreenderem os efeitos prejudiciais da “pejotização” para a Administração Pública e os possíveis impactos gerados nos serviços prestados à população.

Do uso das terceirizadas como intermediário das relações de trabalho

Como um dos primeiros efeitos da dita flexibilização, ganha força na gestão pública um modelo de contratação de mão de obra já recorrente na iniciativa privada, a criação de sociedades em conta de participação, que serve de mera fachada para contratação indireta de trabalhadores. Na prática, os executores dos objetos dos contratos de prestação de serviço, que deveriam ser empregados, são os próprios sócios das sociedades em conta de participação.

Como consequência, a empresa vencedora da licitação torna-se uma mera intermediadora ou administradora de contrato de intermediação de mão de obra, conduta expressamente vedada pela legislação que rege as contratações públicas[1], que proíbe a subcontratação total do objeto contratual.

Dos possíveis danos causados ao erário

Quando do planejamento, precificação e licitação de contratos que envolvam a prestação de serviço, a Administração Pública, como regra, dimensiona e licita o preço do trabalhador baseando-se em um contrato de trabalho regido pelas normas trabalhistas ordinárias, ou seja, empregado CLT.

Desta forma, o preço de um trabalhador é levantado e licitado baseando-se em todos os custos diretos e indiretos de sua contratação como celetista, o que, é claro, aumenta consideravelmente o preço da contratação, tendo em vista a quantidade e o impacto de todos os encargos trabalhistas, fiscais e previdenciários.

Entretanto, com o eventual assentimento da “pejotização”, as empresas contratadas com certeza se adaptarão para esse modelo de contratação dos seus trabalhadores, sem que haja qualquer redução nos valores pagos pela Administração Pública, que anteriormente dimensionou e licitou os postos de trabalho com base em uma contratação celetista.

Por óbvio que tal prática poderia culminar em iniciativas dos órgãos  contratantes, em pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, que reduzam os valores contratuais quando empresas substituam empregados por “PJs”, entretanto sabemos que a realidade cotidiana da Administração Pública no Brasil é complicada e que muito provavelmente os contratos, que grande parte das vezes não têm efetiva fiscalização, com os mesmos preços iriam permanecer.

Na prática, o órgão contratante pagaria por trabalhador celetista enquanto as empresas contratadas, às custas do erário, economizariam em encargos trabalhistas e previdenciários, aderindo à “pejotização” e subcontratando para prestadores de serviço cujo valor por trabalhador, sem encargos, seria mais baixo do que o valor pago pelo órgão contratante.

Consequentemente haveria uma grande perda para o erário, que pagaria mais do que deveria e receberia menos do que deveria, gerando enorme prejuízo à população.

Burla à Lei de Responsabilidade Fiscal e a Concurso Público

Na Administração pública brasileira, principalmente a nível municipal, a terceirização é frequentemente utilizada como forma de burla aos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, valendo-se da contratação de pessoas jurídicas para “diminuir” os gastos de pessoal.

Com a “pejotização”, esse problema com certeza se intensifica, pois tende a ocorrer a substituição da admissão de novos servidores públicos por “PJs”, o que acaba por criar lacunas nas projeções atuariais das contas públicas.

Dessa forma, fica extremamente difícil o planejamento adequado do custeio de serviços públicos essenciais ante a imprevisibilidade dos mecanismos de contratação.

Ocorre ainda, que a conduta descrita acima pode se dar e ser entendida como forma de burla a concurso público, em que o gestor opta por promover a contratação de empresa para exercício de funções que deveriam ser desempenhadas por servidores concursados em observância aos ditames constitucionais.

A Constituição Federal determina, em seu art. 37, II, a regra da obrigatoriedade de realização de concurso público para a investidura em cargos públicos, por conseguinte, a contratação de mão de obra de forma diversa constitui exceção, cuja necessidade deve ser inequivocamente demonstrada.

A Decisão da Suprema Corte

Posto isto, conclui-se que a “pejotização” é uma verdadeira ameaça a qualidade dos serviços públicos e à responsabilidade fiscal do Estado, sendo extremamente necessário  que o debate sobre esse tema fuja ao duelo entre proteção trabalhista e liberdade contratual, alcançando a dimensão do interesse público.

Os efeitos da “pejotização” aqui citados não são taxativos, sendo que existem outros inúmeros resultados negativos e a sua prática irregular pode resultar em fraudes às legislações trabalhistas, previdenciárias, fiscais e à legislação de licitações e contratos administrativos.

Assim sendo, deve haver um posicionamento firme da Administração Pública sobre a questão, pois corremos o risco de levar a administração pública a um modelo com diversas falhas e que compromete a qualidade dos serviços públicos, eleva custos e foge à transparência exigida no trato com os recursos públicos.

Por todo o exposto, caso a Decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.389 (ARE 1.532.603), seja no sentido de flexibilizar e dar mais liberdade aos contratos de trabalho, será necessário a tomada de medidas pela Administração Pública a fim de mitigar os efeitos da decisão da Suprema Corte, na Gestão Pública Brasileira. Caso contrário as consequências serão desastrosas tanto no aspecto financeiro quanto na redução da qualidade dos serviços públicos.


[1] Lei 14.133/2021, art. 122.